Anatomia de uma violação...
... do segredo de justiça
quarta-feira, outubro 22, 2003
o Zé, tal como muitos, fora assessor no tempo do Tonecas, bom salário, boas mordomias, viagens q.b., o País e o mundo vistos dos andares de cima ... A festa acabou e o nosso Zé lá voltou cabisbaixo, à sua antiga redacção.
Vê aqueles que antes olhava com desdem e superioridade, ou irem eles para o Governo, para lugares como o que tinha sido dele, ou ficarem com os melhores nacos de prosa. Para castigo supremo ainda o obrigam a escrever sobre cultura e imagine-se local.
Um dia tudo muda, rebenda o escândalo ! Não um escândalo qualquer mas o escândalo ! A bomba, o terramoto como agora se diz!
Os rumores voam, a confusão aumenta e nesse dia, um antigo chefe telefona-lhe para almoçar.
"É tudo uma cabala!" diz aquele, "uma urdidura e uma maquinação". Zé acredita, por Fé e amizade.
Nos dias seguintes tudo muda: Zé na redação é o maior. Tem acesso às "provas", às provas da cabala e logo na versão unplugged.
Zé lembra-se do "diálogo", do "tu cá, tú lá", dos tempos de Guterres, não liga às transcrições, às escutas, está tudo nos sublinhados, os resumos e memorandos coligidos pela defesa são do melhor que há, o importante são os "princípios", isso e ajudar os amigos em apuros.
Exclusivo atrás de exclusivo, capa trás de capa, as vendas e as audiências disparam, e Zé é de novo olhado com inveja e admiração pelos colegas...
O tempo passa, e um dia o "vento" muda, cada vez há menos exclusivos para sí e mais para os outros.
Zé para para pensar, é novo, tem 38 anos, divorciado, 3 filhos e uma nova companheira, muito para viver, faz contas, os seus amigos não vão sobreviver até ao próximo ciclo, o Director pressiona, são precisas mais histórias, verdadeiros exclusivos ...
Uma tarde vai falar com o Director - pede um aumento e diz que consegue fazer subir em 40% as audiências. Pede isso , e umas férias extra. O Director acede.
Maços de papeis aterram, nessa tarde em cima da redacção.
"Uma mina !", diz o calejado Director. "Não se pode matar a galinha dos ovos de ouro" diz logo um Administrador.
E assim, ovo a ovo, dia a dia, fuga a fuga, vai saindo uma frase, uma citação, uma deixa, deixando sempre a ideia que no dia seguinte há mais. E há mais, muito mais.
As audiências disparam, é o mercado a funcionar ...
Na semana seguinte Zé cruza-se com o seu amigo, o antigo chefe, agora deputado, desculpa-se: "tou de licença, pá - não suportava aquilo - dá um abraço à malta" diz sem parar ...
Zé acende mais um cigarro e sorri: Tinha-se lembrado da velha máxima do Cardeal favorito de Dumas "A traição é uma mera questão de datas"
N.A. esta short story é dedicada ao Dr. José Miguel Júdice...
Publicado por Manuel 23:22:00