A contrario sensu

Caro Carlos:
Depois de tudo o que já se sabe, quem é que já sabe tudo? Ninguém, ainda. Alguma vez saberá? Esperemos que sim, para que a menor Esmeralda Ana Sofia, possa beneficiar das decisões acertadas que se tomarem.
Entretanto, convenhamos em algumas coisas:
O caso saltou para os media, por causa da pena pesada aplicada ao sargento, devido ao crime de sequestro. Seis anos de prisão é muito pesado para um facto com os contornos anunciados, mesmo sem rigor ou precisão nos termos. Foi isso que trouxe o caso para a ribalta.
E, no entanto, a questão principal nem passa por esse processo, mas pelo de regulação de poder paternal e pelo de adopção que ainda não foi decidido. Um pormenor escapa a uma boa parte dos media e é relegado para segundo plano: o atraso sistemático nas decisões dos tribunais, desta vez com destaque para o Tribunal Constitucional.
Que fizeram os jornalistas?
Pegaram no que poderia causar sensação! Publicaram as manchetes apelativas ao gosto nacional: pai adoptivo, preso por amor à filha que os tribunais se recusam a reconhecer como tal!
Mensagens subliminares e em alguns casos, até explícitas, com liderança para o farol de luz contínua da “verdade, verdade, verdade”, 24 Horas por dia: o “pai adoptivo” é uma vítima de um sistema iníquo. Responsabilidade? Os tribunais em geral e certos magistrados em particular.
Este foi o julgamento público dos últimos dias, feito pelos media, quase sem excepções.
Pergunta-se, caro Carlos: os jornalistas devem relatar factos e “dar” notícias, ou tomar partido, mesmo subentendido naquilo que escrevem?
A resposta, sendo óbvia, não é entendida por todos do mesmo modo.
Por exemplo, ainda hoje, o jornal Público titula a toda a largura da sua mancha de primeira página: “ Juristas contra retirada súbita de criança disputada à família adoptiva”. Vai-se a ler, o "jurista" é só um e nem diz exactamenta aquilo que se escreve. O conselheiro Armando Leandro, sabe melhor do que ninguém que a questão não é tão simples como a jornalista do Público pretende á viva força. Não há ainda "família adoptiva", não há decisão, mas ainda assim, a mensagem implícita na notícia da primeira página, já passou.
Este título é exemplar, por si, do tipo de jornalismo que se pratica nestes casos em Portugal. O Público é um jornal useiro e vezeiro nestas manipulações noticiosas- e meço o que digo e estou pronto a prová-lo apenas através dos arquivos deste blog onde escrevo.
O Diário de Notícias do outro dia, descobria uma guerra de magistrados, por causas duvidosas. O Carlos até apontou o exemplo do artigo do conselheiro Santos Carvalho no Público como uma das provas dessa guerra improvável, não declarada, e portanto, fria de todo.
As perguntas e respostas, sem retórica, agora, surgem em catadupa:
Este jornalismo habitual, contenta-se com a aparência dos factos? Basta um facto ser verdadeiro para que a complexidade de um assunto se resuma à veracidade assegurada do mesmo, sem o auxílio dos demais? A noção de rigor informativo é incompatível com o esforço de apreensão e compreensão do teor de uma sentença, despacho ou acórdão judicial, mesmo inundada de termos técnicos?
Que grau de exigência técnica e de formação profissional se pode esperar de um jornalista que não consiga descodificar uma sentença, mesmo sendo a dos exemplos apontados, caro Carlos?
Sendo o jornalismo uma profissão de escrita, de mediação entre os factos e o leitor, eventualmente mediano, não será exactamente ao jornalista que se deve exigir o esforço de compreensão e descodificação do que aparece embrulhado nas tecnicalidades?
Recuemos uns anos, talvez umas décadas: o teor das sentenças pode ser lido nas colectâneas e boletins disponíveis para consulta. Todos ou quase todos os acórdãos reúnem uma linguagem específica e própria da ciência jurídica do Direito. Não há volta a dar e esperar uma linguagem simplificada, sempre que as questões se apresentam com a complexidade dos termos exactos e próprios da semântica jurídica. Pode espera-se uma redacção mais aprimorada na simplicidade, mas nem todos se chamam José Martins da Costa, para não ir mais longe ( JMC é um juiz jubilado do STJ e um modelo de escrita em decisões judiciais). Pode esperar-se a sorte em que um leigo compreenda os termos dos institutos e a explanação das motivações das decisões, mas nem todas se alcançam através da simples leitura, devido a natureza dos assuntos e à linguagem árida da ciência jurídica que não é nova, nem muito inovadora, sequer.
Porém, as decisões concretas, são quase sempre simples: condenam, absolvem, deferem ou indeferem. Isso, toda a gente percebe. No entanto, quando um jornalista explica razões para a decisão, deve esforçar-se por perceber o que leu, ouviu ou apreendeu. Se não o conseguir por si mesmo, deve perguntar a quem sabe. Muitas vezes não perguntam, porque se julgam já iluminados e, sabe Deus, como os há por aí!
Na realidade, se um jornalista não perceber o essencial do que escreve, escrevendo o que lhe parece, não é jornalista, é cronista! É será um judas (iscariotes, mesmo que se chame como o outro)do jornalismo se se habituar a enfiar garruços ao público leitor.
Tome lá mais uma “castanhada” - que fico à espera da sua…

Publicado por josé 12:16:00  

1 Comment:

  1. Politikos said...
    José, será que não viu os dois mails que lhe enviei, no sábado e no domingo, para a conta jmvc@sapo.pt?! Ou acha simplesmente que nem sequer merecem resposta? Tudo isto a propósito dos comentários ao «post» «Quietos, calados e direitos?»

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