O 3º choque petrolifero : Uma realidade cada vez menos académica

Depois de termos assistido durante os anos de 1973 e 1979 aos choques petrolíferos que originaram graves crises económicas devido ao impacto que a subida do preço petróleo teve nas economias – choques assimétricos sobre a procura – com consequente desiquilíbrio externo, começa a ganhar um peso cada vez maior a possibilidade de assistirmos a um terceiro choque petrolífero, que levará novamente as economias para o vermelho.

Em 1973, após o embargo árabe aos países ocidentais que apoiaram Israel na guerra de Yom Kippur, que levou a uma subida em quase 50% do preço petróleo, e a uma perda de 400 milhões de barris. Em 1979 depois da revolução iraniana de 1978 que derrubou o Xá e levou ao poder Khomeini e logo de seguida a guerra Irão-Iraque, levou a que os preços iniciassem novamente uma escalada, ainda que neste choque petrolífero, o efeito diferido se fizesse sentir, uma vez que a verdadeira alta dos preços ocorreu entre 1980 e 1982, com consequências nefastas na economia, uma perda de 450 milhões de barris, levando a uma quebra absoluta anual de 4,0 % no consumo, com a inerente consequência na inflexão da economia.

E agora ?

É verdade que os tempos são outros, mas também é verdade que o preço do combustível utilizado na aviação subiu cerca de 58% nos últimos 12 meses, e que o preço do brentcrude do mar do norte que serve de referência subiu 53% no último ano, o que inevitavelmente levará a que as empresas – alguns sectores de uma forma directa inicialmente os outros por arrastamento – façam repercutir no preço dos seus produtos o custo da matéria prima.

Ainda que hoje, os mercados de capitais, realizem mais valias, devido ao preço do petróleo que atingiu ontem os 41,25 dólares - brent – levará muitos economistas a pensar que a economia mundial, ou melhor a retoma da economia mundial está nas mãos do petróleo. Tudo devido ao assassinato de 5 engenheiros estrangeiros na àrabia saudita junto ao complexo petroquímico na costa do Mar Vermelho, no início deste mês.

O primeiro efeito será o descrito acima, uma subida generalizada da generalidade dos preços – a definição perfeita de inflação , o que em Portugal já se fez sentir em Abril deste ano, com a inflação a saltar 0,9 % em relação ao mês anterior, levando mesmo o Governo a questionar as suas estimativas para a inflação em 2004 – estimadas entre os 2,00 e 2,50%.

Com uma a escalada da inflação, acima do crescimento dos salários nominais , temos uma perda real do poder de compra, com consequente quebra no consumo. Os governos centrais nada podem fazer, uma vez que o único instrumento que dispõem é o orçamento, e a única hipotese no caso português seria descer o ISP - imposto sobre petróleo que garante cerca de 10% das receitas fiscais. Uma descida na taxa de imposto só iria agravar ainda mais o défice orçamental.

A hipótese mais sustentada de reacção à escalada dos preços do petróleo, vem de facto do Banco Central Europeu e do FED, que sabendo os problemas que uma inflação descontrolada causa na economia, irão certamente fazer subir as taxas de juro activas e passivas. O efeito é imediato, pois passará a existir uma maior propensão à poupança, e consequente diminuição da massa monetária em circulação, o que por si só reduz o efeito da inflação. Mas a factura é bem cara, pois uma subida da taxa de juro, retrai obviamente o investimento – o custo do dinheiro aumenta - aumentando por outro lado o custo do crédito, fazendo diminuir o rendimento disponível das famílias, o que em Portugal face ao elevado endividamento das famílias, terá certamente graves consequências sociais.

Com o consumo retraído pelo aumento da inflação, acrescido do investimento em contracção devido à subida da taxa de juro, é perfeitamente plausível a análise do FMI, onde em cada 5 dólares que o petróleo suba, o PIB dos países da OCDE desce em 0,4 %.

Mas existem ainda três considerações, importantes nesta análise , que devem ser de facto realçados :

  • As mudanças climáticas – A cada vez maior certeza de que o clima está em mutação, caminhando o mundo para apenas duas estações – Verão e Inverno- marcadas ainda por extremos – vagas de calor e frio – faz que os mercados estimem um maior consumo de petróleo no futuro. Os futuros de petróleo agradecem.

  • A silly season americana – Em cerca de 20 dias, cerca de 35 milhões americanos consomem nos seus potentes carros, mais combustível, que os 40 milhões de espanhóis num ano interno. Os americanos deverão pagar este ano – ano de eleições – o preço recorde de USD 1,76 por galão.

  • As reservas de petróleo serão em 2020 inferiores em 20% as existentes em 2010. Em 2050 as mesmas representarão apenas um terço das actuais.

Estes três factores acima descritos, agravam ainda mais o panorama de negociação do petróleo.

E o cenário só não é mais grave, porque os países da União Europeia, uns mais que outros dependentes do petróleo da OPEC, tem contrariado a subida do preço do petróleo – negociado em dólares – com a valorização da moeda euro face ao dólar. Por exemplo em Fevereiro a subida do euro aos 1,28 dólares eliminou por completo a subida do petróleo, mas desde o início do ano, o petróleo que subiu 22% em dólares e 29% em Euros, leva a que a União Europeia esteja preocupada com o facto , pois o euro já recuo desde o início do ano cerca de 4,3% face ao dólar.

A OPEC atenta a este facto – melhor dizendo ao facto de mercado monetário poder absorver a subida do petróleo e já manifestou a intenção de passar a transaccionar o petróleo em Euros, o que levaria de imediato, ao colapso do dólar – os países europeus deixariam de precisar do dólar e não comprariam mais, o que levaria os Estados Unidos a mergulhar na maior crise económica – e a uma explosão económica de efeito dómino nas economias europeias.

Mais grave é que a OPEC, anunciou na semana passada a intenção em aumentar a quota de produçãonormalmente os mercados reagem a estas notícias transaccionando em baixa o petróleo - e os mercados continuaram a subir. A última esperança poderá residir na banda de negociação que a OPEC não activa desde Dezembro de 2003, e que levará a um controlo mais ou menos rígido sobre os preços.

O défice americano, tem funcionado para os dois lados, pois na necessidade constante de elevados fluxos de dólares, a Reserva Federal emite moeda para pagar as importações e o resto do mundo compra esses mesmos dólares, aguentando a sua cotação nos mercados financeiros, como forma de financiamento à compra do petróleo,

Para Portugal, as consequências tem-se feito sentir, no aumento sucessivo do preço do petróleo, associado a um cartel que as petroliferas tem mantido, com a conivência governamental ao não controlar conforme prometido a liberalização do sector. Portugal onde o ISP representa 68% do preço da gasolina, é esperado que o preço da gasolina possa atingir os 1,25€ até ao final do ano. Pela primeira vez os consumidores reagiram a subida dos preços, e a procura nacional pelo combustível desceu quase 20%, o que se por um lado significa que o mercado funciona, por outro demonstra os perigos que o mesmo mercado pode induzir na economia.

Pode parecer um cenário dantesco, ou um discurso do profeta da desgraça, mas não o é, e muitos de nós não estaremos certamente preparados, se o choque passar de tese a facto consumado. A União Europeia tem as suas previsões para 2004 assentes numa previsão do brent em 27 dólares. Com o actual nível de negociação é fácil perceber onde se devem meter essas previsões.

Sem quaisquer demagogias os governos não tem responsabilidades no caso - subida do preço - mas deviam há muito ter previsto que esta situação poderia acontecer. A dependência do petróleo das economias da OCDE, deveria ter tido uma reacção de aposta nas energias renováveis de uma forma mais efectiva e coerente. Por outro lado nunca ninguém levou a sério o que assinou em Quioto, e assim as dependências das economias dos combustíveis fósseis, em vez de diminuirem, aumentaram.

As consequências estão à vista, e a retoma das economias europeias está assim nas mãos do petróleo.

Publicado por António Duarte 18:01:00  

3 Comments:

  1. Nuno said...
    Quanto às energias renováveis, basta pensarmos que na Europa são os países com menos horas de exposição solar que mais têm apostado na energia fotovoltaica.
    Portugal, Espanha, Itália têm o dobro da incidência solar média diária da Holanda e Alemanha, p. ex. Mas tem sido nestes ultimos onde tem sido feito o esforço mais sério para aplicar em larga escala, e de forma descentralizada, estas tecnologias.
    Os países do sul da europa têm as melhores condições para aproveitar este recurso, mas quem quer que o tente promover encontrará sempre a mesma conversa: que é muito caro, que é pouco eficiente, etc. Como se tal não pudesse mudar com a respectiva aplicação em larga escala.
    António Balbino Caldeira said...
    Concordo.

    Temo que este terceiro choque seja ainda mais forte do que o de 80 e mais prolongado...

    A situação da Arábia Saudita, que possui 1/3 das reservas do mundo, é muito preocupante.
    António Duarte said...
    È um facto que a situação política que se vive no Iraque condiciona em muito, a negociação de contratos de futuros de petróleo, nas bolsas mundiais.

    Mas ainda assim, a própria crise na Venezuela teve um impacto maior nos mercados, que a invasão do koweit ou a consequente guerra em 1991.

    Os mercados reagiram para muitos estranhamente de forma contrária ao esperado nos ataques do 11-S. O preço desceu nas semanas após os ataques de forma abrupta, pelo sentimento de retracção nas viagens de avião, e na diminuição de necessidades energéticas.

Post a Comment